Faleceu o deputado cassado Vavá Mutran

Faleceu ontem em Belém o deputado cassado Osvaldo dos Reis Mutran, mas com ele, infelizmente, não morreu a violência, o autoritarismo, a impunidade, o uso da máquina e do poder em favor de alguns da elite econômica e política do Pará.
Quero lhe pedir que leia este post até o final. Nele registro a história de assassinatos e corrupção do poder político no Pará que continua vivo e fazendo inúmeras vítimas.
Eu era deputado estadual, estava no meu primeiro mandato parlamentar pelo PT. Vavá Mutran também era deputado da bancada do PDS, eleito por Marabá. Na ocasião, o domínio político que Vavá Mutran exercia na região do sudeste do Estado era enorme. Seu filho era o prefeito de Marabá. Vavá tinha garantido pelo Governador Jader Barbalho o controle total de todos os órgão públicos estaduais, incluindo polícia militar e civil. Os Mutrans foram responsáveis pela vitória de Jader Barbalho ao governo nas eleições em que ele derrotou Xerfan e Hélio Gueiros. 
Nossa convivência na Assembléia Legislativa foi tensa desde o início. Vavá ameaçou de morte os deputados da nossa Bancada dentro do Plenário, sobre o testemunha de muitos e nada foi feito, tal era o temor que os parlamentares tinha de enfrentá-lo. Todos os dias recebíamos informações das atrocidades que Vavá cometia em Marabá, tudo impunemente. Vavá ia na Câmara Municipal desacatar três vereadores, desrespeitando até a condição de mulher e nada acontecia. Prendia. Soltava. Açoitava e ninguém o importunava. Vavá era muito poderoso.
Num dia, Vavá estava em Marabá exercendo ilegalmente a secretária de obras do município, quando um aliado seu foi reclamar que a SEFA prenderá uma caminhão carregado de gado. O caminhão transportava as reses acompanhada de nota fiscal fria. A SEFA era conhecida por ser um antro de corruptos, mas em Marabá tinha uma exceção, chamava-se Daniel Lira Mourão. Daniel era um exemplo de homem, de pai, de amigo, de funcionário público. Sua condição de maçom lhe impunha um código ético, que ele cumpria a risca. Vavá Mutran exigiu a liberação do gado, impondo seu poder, mas Daniel assegurou o cumprimento da Lei e não acatou a determinação ilegal do Deputado. Vavá se irritou com desobediência, juntou um grupo armado, foi a casa do Fiscal e o matou. Com a roupa suja de sangue, foi em casa mudá-la e depois voltou a despachar na Secretaria de Obras com se nada tivesse acontecido.
O deputado federal Valdir Ganzer registrou o fato na tribuna da Câmara dos Deputados:
"um caminhão para transportar gado e madeira com notas frias, que vai e volta - hoje pela manhã estávamos  na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, discutindo com o ex-Presidente do Ibama essa problemática das notas frias, da violência, do tráfico de madeira etc. mandou um bilhete para o fiscal da Receita Estadual, dizendo: "Solta esse gado, porque esse gado é meu, e solta rápido". O fiscal disse: "Não posso soltar o gado, porque o senhor não está pagando os impostos, conforme manda a lei". Vavá Mutran e mais três pistoleiros, em sua camioneta, uma D-20, encostaram na casa do fiscal da Receita e o mataram com três tiros. Deputado Estadual pelo PDS e que, na disputa do Governo do Pará, apoiou com toda força, com todo poder, o atual Governador do Estado Jáder Barbalho, Vavá foi à Assembléia e pediu licença para tratamento de saúde. A polícia nada fez. A Polícia Federal não age porque é um crime de responsasbilidade do Estado. Portanto, é de competência da polícia estadual. A Polícia Militar não age porque o Vavá é quem manda. A Polícia Civil não age porque é o Vavá quem manda. A Juíza não age porque é nora do velho Vavá."

O crime e atitude de Vavá Mutran chocou a todos. A sociedade paraense, a maçonaria, os funcionários da sefa, a imprensa, as organizações de direitos humanos, as igrejas exigiam uma punição. Os deputados da maioria governistas acuados. O Governador Jader Barbalho encurralado. Eles tentavam encontrar uma saída para defender o assassino, mas a sociedade aumentava a pressão. Jáder e sua maioria não tiveram alternativa e foram obrigadas a aceitar a comissão processante. 

Cinco deputados, dentre estes, eu, José Carlos Lima da Costa. Coube a mim, mesmo sobre ameaça de morte, a tarefa de presidir a Comissão e propor o fim do mandato do assassino. Com apoio da sociedade e dos deputados Luis Cunha e Aldir Viana, concluímos pela cassação histórica do Parlamentar. A perda do mandato foi decretada pelo plenário da Assembléia Legislativa cercado pela população, que de lá não arredou pé até a votação definitiva.

A cassação do deputado foi importante para o seu julgamento pelo assassinato de Daniel Lira Mourão. Vavá foi julgado e condenado como mandante do crime, pena que deveria ter sido cumprida na Penitenciaria de Americano segundo a sentença. Daí em diante seguiu-se uma sucessão de fatos estranhos. Vavá saiu do Tribunal de Justiça para Americano, onde cumpriria pena em regime fechado. Fomos todos para casa com a sensação do dever cumprido.

No dia seguinte, logo pela manhã, surpresa geral. Vavá Mutran, no lugar de ir para o presídio cumprir a sentença, fora transferido para o Hospital da Polícia Militar. Alegavam que ele havia passado mal e a presidente do TJ autorizou a internação no hospital militar. Vavá, protegido pelo poder governamental, ficou ali no hospital por muito tempo. Nunca pisou um só dia no presídio de Americano ou de outra casa penal. 

Um dia, mais uma surpresa geral. A defesa de Vavá, com base em um laudo questionável que atestava ser o assassino portador de uma doença fatal que o levaria a morte em pouco tempo, requereu e obteve o perdão total do estado paraense. Era juiz das execuções penais, o dr. Jaime Rocha e funcionava como fiscal da lei a procuradora de justiça Marilia Crespo.

Vavá Mutran foi perdoado pelo Estado do Pará e saiu livre, teoricamente para morrer em casa da doença terrível descoberta por um médico suspeito. A morte seria breve. Vavá Mutran foi para Marabá e ainda teve força para cometer um outro assassinato. Matou a bala um garoto que pulou o quintal de sua chácara para apanhar umas frutas. 

De 1992 para cá são tantos anos até ontem com a morte de Vavá, o que mudou no Pará? Quase nada, muito pouco. O controle político do Estado continua mantendo vivo a impunidade. O casal de ambientalistas mortos em Ipixuna está ai para comprovar que o Pará é um estado violento, com uma elite violenta, predatória e que recebe a proteção política de governantes corruptos.

Nós da sociedade precisamos retornar as ruas e exigir o fim da impunidade. Foi assim que conseguimos cassar o Vavá Mutran, mas voltamos para casa e eles tomaram conta novamente do poder. Fiz minha parte como presidente da comissão processante, continuo fazendo, embora sem mandato, eles tentam dificultar que eu vença uma eleição, não me querem com mandato, mas nunca puderam calar-me como testemunha desta e de outras história de um Pará infeliz.  


 

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